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24 fevereiro 2013

Sexo no primeiro encontro

Eu sou apaixonada pela maneira que o Gabito conduz uma história. É leve, é doce, é intenso, é Gabito. Amo esse conto por que ele não trata de sexo com pornografia, com 'sujeira', ele retrata o lado mais doce do ato e eu admiro muito isso: o transformar do trivial no leve, no doce, no intenso. Espero que gostem desse conto assim como eu gostei. 
Beijos,
Bela 

Eu queria te ligar e combinar um cinema, um bate-papo na praça, beber um café ou voar de asa delta. Coisas triviais que as pessoas fazem, mas para nós não é bem assim. Ou, não sei, talvez só para mim. Ainda não me recuperei da crise de afasia que tive ao te chamar pra sair. Eu queria dizer “O que você acha de a gente sair um dia, eu e você?” e acabou saindo “O que você acha de a gente se juntar aos revolucionários pela libertação do Tibet e, depois de tirar um tiranossauro da cartola, construir uma nova rodoviária?” Essas primeiras vezes das coisas me estressam, por isso adiei por meses.

Você acha que, só porque convidou uma garota pra sair em 2001 pegou a manha. O diabo é que cada garota é diferente da outra, e você pode esperar mil coisas de uma só, então como prever uma delas dentre milhares de garotas que você poderia ter encontrado? Ela pode fazer o gênero romântica de cinema ou andar com spray de pimenta, vá saber. Bom, aí você finalmente leu meu bilhete e topou me encontrar naquela cantina italiana que levei séculos pesquisando preços no Google. Quando chegou, sua roupa parecia meio inadequada. Logo que sentou veio com “Sabe, lugar bacana e tudo, mas faço mais o tipo que come batatas fritas, você não está a fim de dar o fora daqui e jogar bilhar?”

Fomos ao Mamute’s Piano Bar e logo que entrei, tudo que sabia sobre romance e primeiros encontros foi pelo ralo. Mas, sem dúvidas, combinava mais com seu corte de cabelo atacante-marrento-da-seleção-argentina, sua imitação de All Star e seu jeito meio embriagado e invasivo de ser. E eu ali, todo cheiroso e alinhado e roncando a barriga, sem conseguir manipular direito meu taco e fazendo as bolinhas sairem quicando estridentes no chão – tóin, tóin, tóin –, feito um perfeito panaca. (Parecia o prelúdio do que viria acontecer depois, no seu apartamento.) O resto foi aquilo, batatas fritas, sinuca fiasquenta, gente estranha rindo de mim.

Então, após 37 minutos no seu portão sendo convencido de que nada de mal me aconteceria, fomos pra cama. Quer dizer, para o sofá. A cama, por algum motivo obscuro “está quebrada e não suporta uma trepada”. Como assim, não suportaria o quê? Puta merda, vamos trepar? Uma péssima notícia, tudo que aprendi foi em camas, eu teria de adaptar minhas habilidades para um tacanho sofá. Eu quis ir embora imediatamente. Ou ter em mãos um daqueles tubinhos de jato para asma, mesmo sem nunca ter sido asmático até hoje. Mas você me aliciou vindo por cima e dando um beijo juvenil e calmante nos meus lábios secos. Sabor de gloss.

Aos poucos eu fui me lembrando, mais ou menos como se fazia a coisa. Era como andar de bicicleta, quase literalmente, pois você estava me olhando de cima, esfregando devagar o fundilho da sua calça jeans no meu banquinho, observando meticulosa minha trêmula reação. Eu estava me sentindo desconfortável, ainda bem, se eu relaxasse era capaz de esguichar minha energia masculina liquefeita, feito um adorador da trilogia Star Wars. Quando foi que as garotas tomaram a dianteira? O que nós rapazes estávamos fazendo quando elas revolucionaram a avizinhação sexual? Ainda jogando videogame, possivelmente. O que está acontecendo, Jesus?

Eu pisquei, e quando vi não sabia onde tinha ido parar sua blusa. Tinha um sutiã na minha cara, todo manchado de quem mistura brancas e coloridas no mesmo ciclo de lavagem. E quando você lentamente foi enfiando a mão nas costas e se desfazendo da peça, deu pra ver no seu olhar fixo e melodioso que, no fundo, por trás de toda essa pompa de mulher-fatal-avançada-que-paga-suas-contas também havia ali uma garotinha insegura e perturbada com o que eu acharia dos seus peitos. Eram bons seios, devo dizer. A mesma garotinha que saiu da sala e adormeceu assim que meu pau fez um sinal de que suas mamas, as duas, me deixavam feliz da vida, com vontade de tomar banho de chuva ou enfiar a cara pra fora da janela de um carro em movimento e gritar pra todo mundo ouvir.

Eu estava duro e preocupado com sua opinião quanto a minha ereção, e você foi ficando menos fatal, menos silábica, menos de calças. Antes de perder o prumo, a última coisa que ouvi você falar foi: – Eu adoro um homem nervoso embaixo de mim. Homem, mas que homem? Tem algum homem nervoso aqui, tipo, atrás das cortinas? E por que ele está nervoso? É seu pai? Na boa, eu era apenas um garotinho com medo de prender a gola no pescoço e assustado com a real possibilidade de gozar antes mesmo de me desfazer dos trajes.

O apartamento em silêncio e escuro, um clima interrompido às vezes pelo ruído da rua e uns desenhos geométricos feitos de luz de farol, invadindo certos ângulos do teto. E você cuidando de tudo, manejando meu tronco, como num ritual de cópula aracnídea, fazendo coisas que não pareciam sexo, pelo menos o sexo como a cultura pop nos lecionou. Era mais uma interação entre seres humanos, um diálogo de gestos. Você segurava meu pulso e ia passando minha mão, como me ensinando um novo jeito de alisar a pele de uma moça. Às vezes cerrava as pálpebras, sussurrava alguns epílogos de gozo e assim fui entendendo melhor a anatomia feminina.

Eu sempre me senti culpado por certas taras por certas partes do corpo feminino, mas você extraiu minhas neuras cirurgicamente, com seus movimentos delicados. Eu já andava bem contente com a mídia as induzindo a prestar mais atenção nas axilas, uma coisa que eu sempre gostei, embora eu não saiba muito bem o que fazer com elas. Você me fez lamber, roçar a barba, sentir cheiro de Dove. Os dedos dos pés, por exemplo. Se eles podem equilibrar um corpo todo em pé, por que não servir de molestador fálico? Foi bom, ficar estirado e você pisando de leve, cuidando para não machucar, como uma boneca equilibrista, os pés nus, a cara de Lolita. Já era mais de uma hora sem sequer insinuar uma penetração, mas eu estava entendendo tudo.

O plano da noite não era gozar. Era se conhecer. Mapear as sensações, fazer arte, trançar temperamentos, contagiar perfumes, não corresponder às expectativas, que nunca se concretizam de toda forma, num primeiro encontro. Olhos nos olhos, sem desviar, sem rir, sem compreender, sem querer, sem agredir, sem fazer moralismos. Era como uma dança hinduísta e contracultural, sem roupas, um aquecimento de pele, friccionando pedaços inusitados do seu corpo em partes esquisitas do meu. Sua coxa foi parar na minha cara, você beijou minha canela, eu lambi seu dorso, você esfregou os peitos no meu umbigo, eu cheirei seu joelho, você mordeu minha bunda, eu beijei os seus olhos.

Até que, exaustos e suarentos, cada um foi para um lado do sofá. Você teve uma crise de risos, eu tive uma crise de identidade. Eu nunca transei num primeiro encontro e queria muito saber se isso conta como sexo. Você me faria um favor assinando um documento atestando que – embora tecnicamente não pareça – fizemos a coisa, assim eu não passaria vergonha ao me vangloriar diante de meus amigos na próxima mesa de bar. O que foi isso, afinal? Foi louco, foi bom, foi íntimo, foi mágico, foi vinho, e mesmo sem penetração, foi sexo, embora nossas genitálias não tenham sido formalmente apresentadas.

Minha cara dizia tudo. Estava diante da última tecnologia no campo das ligações pessoais. Eu estava experimentando uma coisa que a maioria não tem nem ideia que existe. Num impulso ela pulou de volta, montando no meu corpo na horizontal, mole e nulo e inerte, totalmente sem gozar concretamente. Me encheu de pequenos beijinhos ininterruptos falando “Isso foi estranho, não foi?” Poxa, se foi. “Você não imagina o que sou capaz de fazer com o primeiro cara que me pedir em namoro”. E foi nessa hora que eu a convidei para morar comigo.

Gabito Nunes

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