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09 novembro 2012

Estranho




Estava em casa, a procura dos meus óculos. Como é dura a vida de uma míope ! ‘Céus, onde estão esses malditos óculos ?’ pensei. 

Toc toc - Uma batida às sete da noite me fez desistir da minha caça ao tesouro, ou melhor, caça ao óculos.


Alto, branquelo que só, cabelos pretos, jogados de maneira irregular pelo couro cabeludo. Ele tinha tiquinho de barba recém barbeada, que dava-o um ar solene. Os olhos era castanhos, cor de montanha, cor de terra recém molhada, fresca, calorosa; Um par de olhos que me atraíram a atenção.


Ele não me disse boa noite, não me disse o que veio fazer muito menos se apresentou, apenas entrou com seu ar solene e sentou-se em meu sofá carmim. Mesmo depois de sentado, confortável e calmo, não me disse nada além de:



— Venha cá amore de mi vitta, sente-se aqui do meu lado.

Um estranho sentado do meu sofá, me convida para sentar ao seu lado e ainda me chama de amor da minha vida com um italiano amador, como que se tivesse aprendido na novela das nove. Deveria chamar a polícia, gritar por ajuda ou simplesmente correr dali. E foi o que fiz, corri; corri para os braços do estranho.



Sentei ao seu lado e lá ficamos. Contei ao estranho minha vida todinha, contei das férias em Salvador, do dia em que bati o pé na porta do elevador, contei dos meus choros, dos meus medos, de todas as minhas histórias. Contei ao estranho a minha vida, e dele, recebi nada mais, nada menos que um gesto.
Ele segurou minhas mãos gordinhas, tomou-as para si e permaneceu assim. Ele amarrou meu último fiapo de esperança da mesma forma que me amarrou em seu abraço caloroso. 

— Anita mia, seus olhos de sereia me deixam encantado. Encantado …
— De sereia ? - Perguntei.
— Sereias encantam homens e os afogam em seus rios, mares, risos. Tens olhos de sereia Anita mia, afoga-me em seus rios, mares, seus risos.


Deixei o juízo de lado, a educação de lado, a vida de lado e aumentei o volume da adrenalina. Soltei minhas mãos das suas, colocando-as perto do seu rosto, sentindo os resquícios de barba recém barbeada. Beijei-o, com um carinho antes não sentido, com fervor, com … amor.
Depois, de sentir seu hálito fresco, seu gosto não mais seu, mas sim, nosso, adormeci. Adormeci com a respiração do meu estranho aos ouvidos, cantando-me as mais doces canções italianas de ninar. 


”Scusa sai se provo a insistere, divento insopportabile, io sono, ma ti amo, ti amo, ti amo”


Cantou meu celular com uma nova mensagem, mas não dei atenção. Levantei-me e procurei pela casa o meu estranho, não o encontrei. Senti um aperto no coração, como que o nó de esperança que ele havia dado tivesse sido facilmente solto. Procurei novamente, não o encontrei, mas encontrei meus óculos na pia da cozinha.
Eu, que sempre fui uma eterna amante de música e boa comida, tornei-me uma eterna caçadora do meu estranho, procurando por todo canto aquele que fez meus olhos de sereia brilhar.
Ma ti amo, ti amo meu estranho.

Isabela Lacerda



Com esse conto estreamos a tag nova do blog: Um kg de palavras. Na tag vou publicar alguns textos meus e se quiserem mandar textos pra gente publicar, fiquem a vontade! É só mandar um e-mail para: contatouzara@hotmail.com


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